Era uma vez… Eu não gosto de histórias que começam assim. Essa coisa de era uma vez nos leva a acreditar que aquela história é única. Pelo menos eu entendo assim. Entretanto essa história aqui já aconteceu tantas e tantas vezes, que o correto seria começar como “E mais uma vez…”
E mais uma vez um rapaz que se sentia triste e sozinho. Talvez fosse uma tarde de sol radiante e calorosa, dessas onde todos saem para passear na rua, mas ele carregava nas costas um fardo que o impedia de tudo. Não que de fato o fardo fizesse diferença, mas ele sentia que esse segredo era sua maldição.
Por ali havia uma menina que também tinha suas frustrações. Ela reclamava constantemente que estava predestinada a ficar sozinha e infeliz para o restante da vida. Achava-se feia e que por isso todos que passavam por sua vida a abandonavam.
Quis o destino que o caminho dos dois se cruzassem.
O rapaz acreditou nos lamentos da menina. Sentiu de pronto uma identificação e cometeu seu primeiro maior erro: entregar seu coração. A menina por sua vez não deu importância a tal presente. Ela desejava muito mais que isso, queria o céu, o universo, o infinito. Um dia ela desabafou que a única solução para ela seria ter asas. Ela poderia dar vôos rasantes pela cidade sentindo o vento no rosto alisando seus cabelos, poderia alcançar estrelas, modelar as nuvens do céu. O rapaz que nesse ponto, já estava perdido de paixão, cometeu seu segundo maior erro.
Na manhã seguinte, embaixo da janela da menina, havia um par de longas asas brancas. Asas longas de plumas brancas, asas verdadeiras que pareciam de pássaro gigante ou talvez de um anjo, se isso existisse. E mal abriu a janela, a menina explodiu de felicidade. Correu ao jardim, apanhou as asas e as abraçou com vigor. Levantava as asas ao alto e girava com elas, mas o que a menina não reparava é que de onde nasciam as asas havia sangue como se elas tivessem sido recém arrancadas de seu verdadeiro dono. Entretida, ela não percebia que gotas vermelhas respingavam em seus cabelos e iam tornando-os vermelhos, de um rubro que não sairia nunca mais de seus fios.
Ao entrar na casa ela costurou as asas numa linda blusa branca. Vestiu e olhou-se no espelho sorrindo e achando que lhe caía muito. E a partir daquele dia, passou a usá-las constantemente. De posse das asas, todos que a viam ficavam maravilhados e queriam ter sua amizade. O rapaz por sua vez adoeceu e por isso sumiu por uns dias. Quando recobrou a saúde, foi visitar a menina certo de encontrá-la saudosa. A menina não estava em casa, havia saído com seus amigos novos que adoravam voar pelos céus com a “menina de asas”. Passaram-se semanas até que tiveram a oportunidade de finalmente encontrarem-se. A menina explicou que não tinha mais tempo para ele pois tinha tantos novos amigos-passageiros, freqüentava tantos eventos, que até desfilaria num carro alegórico no carnaval. E ali despediu-se dele para nunca mais.
Então o rapaz voltou pra casa, sentou-se à sua escrivaninha, pegou uma longa pena branca que da ponta jorrava uma tinta vermelha infinita e começou a rascunhar uns versos de amor. Apesar de tudo, a imagem da menina vestida com as asas era deslumbrante, era mais linda que um anjo!
Ele lembraria dela por toda vida, não só pelos versos que deixariam ela eternizada, mas também toda vez que ele tivesse que trocar o curativo de suas costas. No mesmo lugar onde antes, haviam asas que ele escondia…