Fazia frio, garoava fino, daquelas garoas tão finas que nem molhava meu cigarro. Pensei em desistir, mas alguma coisa naquele frio todo parecia me empurrar ao seu encontro. Tudo bem se eu desistisse, ela nem soube dessa súbita vontade de vê-la novamente. Não sei qual seria sua reação. E se eu avisasse que iria!? Ligasse, mandasse cartas...não! Tudo seria pior, sua reação, por mais negativa que fosse, ao menos estaria lá para vê-la. Poderia muito bem rasgar as cartas, não atender ao telefone...
Ficaria eu, encurralada novamente sem saber o que fazer.
Estou cansada, com dores na cabeça, olheiras enormes e com cheiro de cigarro.
Penso em desistir.
É loucura, depois de tanto tempo...
E se ela ‘fugir’? E se não lembrar de mim? O que eu faço? Perguntas me atordoavam.
Em alguns metros já fumava o meu 3º cigarro, como se fosse ajudar em alguma coisa. A garoa estava mais forte, tornou-se chuva, chuvarada... molhou minha carteira e todos os meus fósforos. Seria um sinal? Deixar para outro dia?
Não!
Sinais não fariam com que meu coração desistisse.
No bolso esquerdo da parte de trás da minha calça quase toda molhada, eu havia posto seu presente. Pequeno, mas de significado gigantesco.
Certifiquei-me que estava lá ainda. Em uma das minhas mãos, junto ao peito eu levava em um pacote, todas as cartas que escrevi durante esses longos dois anos e que nunca tive coragem de enviá-las.
Chovia demais. Pensei em ligar e dizer que estive tão perto, mas tão perto que senti seu coração bater e que só não nos encontramos porque chovia demais para eu continuar caminhando.
Ridículo.
Seria ridícula minha explicação. Dizer sentir tanta saudade e acabar desistindo por causa de uma chuva? Não! Guardei o celular e continuei.
O mundo todo passava pela minha cabeça. E se eu estivesse completamente errada, e se ela realmente me amou e me espera todos os dias, e assim como eu, sonha com tudo o que aconteceu rezando para que a realidade nos traga de volta!?!?
Meus passos ficavam maiores. Se fechar os olhos posso sentir o vento frio e a chuva batendo em meu rosto. Mais alguns metros e pronto. Lá estou. Em frente a sua casa. Meu coração paralisado, não sentia minhas pernas. Fiquei aproximadamente uns 15 minutos ali parada, imóvel.
Parecia tudo tão leve, que eu mal sentia o peso daquele mundo de preconceito que havia diante da gente e das minhas ações.
Acreditem se quiser, mas pensei em desistir. Eu tremia muito, frio, nervosismo. Fechei os olhos com força, meu rosto estava todo molhado e minha aparência era de dar medo (mas o discurso estava pronto, aliás, caminhei muito até chegar ali...). Ela entenderia.
Quieta e atenta pude ouvir. Oh meu Deus, é com certeza a voz dela. Uma sensação inexplicável tomava conta de mim. Meu coração, apesar de tanto frio, ardia em chamas.
Ensaiei mais uma vez, tudo o que queria dizer. Estava pronta.
Em mãos o presente e as cartas.
Nossa, meu mundo estava ali. Eu enfim, voltaria a viver.
Cheguei mais perto, de onde alcançaria a campainha, mas preferi, como nos velhos tempos, bater a porta de madeira, com uma sequência de batidas quase em melodia.
Ouvi passos. Bati mais uma vez, agora com mais força, e mais força, até que como num estalo de dedos tudo some.
Sinto algo me puxar dali com certa violência.
Faço uma enorme viagem, a sensação boa, desaparece, abro os olhos, mas continuo escutando as batidas.
Droga!
Era minha mãe batendo na porta do meu quarto, dizendo que dormindo perdíamos muito tempo na vida e que estava na hora de acordar. Infelizmente na hora de acordar.